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Grupo RBJ de Comunicação,
27 de abril de 2024
Rádios

“Precisamos investir nos professores para a formação de novos leitores”, aponta escritor paranaense

Educação e Cultura

por redação

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[Grupo RBJ de Comunicação]
Sandmann abordou várias temáticas relativas ao setor literário brasileiro

Durante participação no “Mês da Leitura” promovido pela Secretaria de Cultura e Biblioteca Pública do Paraná em Palmas, Sul do Estado, na última semana, o escritor curitibano Marcelo Sandmann falou sobre o cenário cultural brasileiro e os desafios para os escritores diante das tecnologias, da Internet e do novo perfil dos leitores.

Em entrevista ao RBJ, o escritor destacou as dificuldades que muitas vezes os autores brasileiros enfrentam diante do mercado de best-sellers, que muitas vezes fecham as portas das livrarias para os escritores independentes. Por outro lado, demonstra otimismo com relação ao futuro do mercado literário nacional. Confira a entrevista.

Como escritor, qual a avaliação você faz do cenário cultural brasileiro, visto que o país vem enfrentando uma série de crises na ordem político, financeira e econômica. Outra questão que gerou muita polêmica foi a extinção do Ministério da Cultura, que após manifestações de vários setores, o governo Temer voltou atrás. Como você vê o cenário cultural brasileiro, diante de todas essas situações que o país vive?

 Olha, o cenário cultural brasileiro é muito produtivo, criativo e multifacetado. É claro que a gente tem essa questão da relação dos artistas com o Poder Público e com o próprio Poder Público mediando a produção artística em relação ao potencial público brasileiro. O Ministério da Cultura tem esse papel muito importante de, alguma forma, fomentar e difundir a produção artística ou, pelo menos, ajudar nesse sentido. A gente vive um momento de crise muito grande e a classe artística de colocou em peso contra essa mudança de governo e continua se atritando com o Governo Federal e com o Ministério da Cultura. Eu não sei exatamente se isso vai se atenuar, se vai se conciliar ou não, ou a tendência é uma radicalização. Isso está em aberto, eu não tenho como chegar numa resposta objetiva sobre esse atual momento.

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Como está o mercado literário brasileiro, atualmente?

O mercado brasileiro é muito generoso para alguns artistas que conseguem se inserir num certo circuito de divulgação de suas obras, participando de feiras literárias ou que são publicados por grandes editoras e que tem um poder de chegar ao leitor através da imprensa e da publicidade. Mas há muitos escritores com trabalhos muito interessantes, muito fortes, que acabam ficando um pouco à margem e isso continua sendo um problema. A gente tem um tipo de monopólio do mercado literário e o fato de que nós temos muita gente boa produzindo e que essa gente fica um pouco ao léu, mais do que deveria, na verdade.

O que a gente vê, e percebe-se aqui em Palmas inclusive, é que hoje temos poucas livrarias e pouco acesso ao material físico e sabemos que isso ocorre devido a vários fatores. Mas nos poucos estabelecimentos que encontramos livros à venda, temos prateleiras cheias de best-sellers internacionais, livros que estão “na moda”, que estão sempre na mídia, mas vemos muito pouco da produção local, sobretudo do nosso Estado. Como você vê essa questão? Você sente isso “na pele”?

Com certeza. Eu venho de Curitiba, que é a capital do Paraná, concentra algumas livrarias importantes que concentram seu trabalho na comercialização dos livros mais vendidos, dos best-sellers, aquilo que vai para as vitrines. Os escritores locais, que publicam por editoras menores, têm dificuldade de inserir o seu livro nessas mesmas livrarias. Às vezes, esses livros estão nos catálogos, onde você pode encomendar e o livro chega depois, mas fisicamente, muitas vezes os livros não estão e é importante que o livro esteja lá, porque muitas vezes o leitor quer ter um contato imediato, folhear a capa, dar uma lida em algumas coisas e muitas é a partir desse contato que há o desejo de uma compra, por exemplo. De fato, em Curitiba temos pouquíssimas livrarias que investem na divulgação do livro local, pra falar a verdade há uma única livraria em Curitiba que, programaticamente, tem como plano expor na sua vitrine, escritores paranaenses, que é a livraria Arte e Letra, que fica no bairro do Batel. É uma livraria muito importante, que tem acolhido lançamentos de livros de escritores nacionais e locais com regularidade, propiciando, inclusive, saraus de leitura nesses lançamentos. Mas é uma exceção. De alguma forma, as livrarias não tem muita preocupação com isso. Elas querem vender produtos, entre outras coisas, livros também. Essa é uma questão difícil.

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Essa questão dos livros “da  moda” é uma crítica que até mesmo o setor especializado faz, de que o brasileiro já lê pouco e quando lê, ele vai atrás daquele livro que está na mídia. Pra você é assim mesmo? O brasileiro busca esse tipo de leitura, que tá na moda, para ele ser “mais um na galera” e estar por dentro das últimas tendências do mercado literário?

Isso acontece em boa medida. Muitas vezes o leitor vai atrás dos livros mais vendidos porque de alguma forma ele tenta entrar em integração com o público, para trocar ideias com pessoas que  estão lendo essas coisas. O que acontece com os livros é que acontece com os meios de consumo de forma geral. Quando você vai ao supermercado, o que você vai encontrar? Você encontra refrigerantes que são aquelas marcas que você encontra em todos os supermercados do Brasil. Se você quiser uma bebida local diferenciada, você não vai encontrar no supermercado típico, você vai ter que ir numa loja menor, artesanal, local, para encontrar esse produto. Com o livro acontece a mesma coisa. Você vai nessas grandes livrarias, você vai encontrar justamente aquilo que está se lendo no Brasile como um todo e fora daqui. Você quer um produto diferenciado, você quer entrar em contato com um autor brasileiro, paranaense, não dá. Certamente você não vai encontrar isso na livraria típica. Você vai ter que ir atrás. Isso vai muito da iniciativa do próprio leitor, de estar disposto a isso, conhecer o novo, o diferente, e arriscar.

Um dos desafios que você cita é que os escritores independentes enfrentam é que por vezes publicam os seus trabalhos por editores pequenas, de pouca expressividade, e com isso não conseguem alcançar uma ampla divulgação, e hoje uma das principais ferramentas para esse trabalho é a Internet. Como você tem visto a Internet, porque muitos colocam-na como inimiga, muito pela pirataria, mas pra você, como você vê a Internet frente à literatura e a formação de novos leitores?

A Internet, à princípio, é algo que conta a favor, especialmente dos novos escritores ou autores de trabalhos que não visam uma grande massa, portanto são escritores que muitas vezes não estão ligados à ideia de um retorno financeiro. A profissão de escritor no Brasil é minoritária, muitos dos escritores brasileiros escrevem livros, romances, poesia, teatro, mas tem outras profissões que, de alguma maneira, bancam sua parte financeira e produzem literatura por outras questões. Para esses escritores, a Internet acaba jogando a favor, porque é uma maneira de você entrar em contato com gente distante, divulgar seu texto, você publica em blogs, críticas literárias acontecem em blogs muito mais que em revistas ou jornais, que deixaram de lado praticamente o espaço de uma recensão crítica para tudo aquilo que se produz. Tem essa outra questão que você levanta que é da pirataria. É claro que para quem vive do seu produto, isso é muito forte para que viver do audiovisual, é um problema bastante sério. Eu sou da geração que ainda compra discos e cd’s, mas essa geração, penso até nos meus próprios filhos, que já não tem essa relação. Tudo se baixa da Internet, sem qualquer ônus com a contribuição financeira. Pra quem cria, isso é muito sério, porque tem um custo grande na produção desse material e as pessoas vão se acostumando ao fato de que basta você dar um “click” que aparece tudo na sua frente e você não deve ter qualquer tipo de preocupação e investimento nisso.

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Uma das críticas que a gente ouve por parte dos leitores é que o livro no Brasil é muito caro. Você concorda com isso?

O livro não é barato no Brasil. Há edições mais baratas, mas de qualquer forma quando você compara, por exemplo, um livro que custa uns R$ 35,  R$ 40, um preço razoável. Acho que tem muita gente no Brasil, não vamos pensar em termos de nível social, que prefere ir pra uma festa e gastar R$ 50, R$ 60 em consumo de alimento e bebida alcoólica do que comprar um livro de R$ 40. Essa questão é um pouco relativa, há certos produtos que você paga o “olho da cara”. Vai ver o show de um artista de sucesso, gasta R$ 150, R$ 200 num auditório grande e acha que é caro um livro. Esse é o problema. Falta uma espécie de educação para o consumo. Eu gosto de comprar o livro físico, inclusive eu gosto de dizer nas minhas palestras, os objetos mais antigos que eu tenho em casa são livros, não são móveis, aparelhos eletrônicos. Eu tenho livros do começo do século XX na minha biblioteca particular. O livro é um tipo de tecnologia, vamos usar essa palavra, uma tecnologia longeva. Eu acho que vale a pena você investir nisso, porque tem uma permanência, tem uma duração que você passa para outras gerações, é um objeto que tem valor, tem um peso considerável em termos de durabilidade que outros objetos de consumo não tem. Não estamos nem falando da questão cultural, estou falando enquanto objeto, fora a questão de todo o patrimônio cultural que está presente num bom livro.

E diante desse cenário, do pensamento do leitor, qual o futuro do mercado literário no Brasil?

Há vários questões. Eu acho que o mercado literário tende a sobreviver em outros meios de difusão, livros digitais, que você que compra e lê no computador, no celular, no tablet. Eu acho que isso tende a se renovar. Eu não sou muito pessimista em relação a isso. Eu sou pessimista com relação à formação do leitor, e isso depende justamente de escolas públicas consistentes, de qualidade, de professores bem formados, bem treinados, bem pagos, para justamente ter uma relação cada vez mais forte com a sua própria profissão. Essa é a mediação que falta. Nós temos boas editoras, bons escritores, bons professores, mas precisamos de um investimento maior nesse pessoal que faz a mediação entre um público potencial, que é aquele que vai pra escola, que se forma, que adquire o hábito da leitura na escola e depois permanece com esse hábito ao longo da vida, e pra isso a gente precisa dessa formação do professor, isso é muito importante.

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