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06 de julho de 2024
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Morre o Papa Emérito Bento XVI

Papa emérito Bento XVI morreu este sábado aos 95 anos. Estava afastado da vida pública desde que abdicou do cargo

GeralReligião

por Marcelo Marcos

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O Vaticano anunciou este sábado a morte do Papa Bento XVI, aos 95 anos. O Papa emérito faleceu no Mater Ecclesiae, onde vivia desde que abdicou do cargo há quase dez anos. Há vários dias que o seu estado de saúde era considerado grave e irreversível, devido a um problema renal.

No início de fevereiro de 2013, o Papa Bento XVI, então com 85 anos, surpreendeu os cardeais, os fiéis e o mundo ao anunciar que, devido à sua idade avançada e saúde frágil, abdicava do cargo. Ao contrário do seu antecessor, João Paulo II, que partilhou com o público a agonia da doença até ao fim, Joseph Aloisius Ratzinger, o Papa alemão, não quis seguir o mesmo caminho. Após vários anos de recato, com poucas aparições públicas.

“Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro”, disse, aos cardeais, em latim, numa reunião que aconteceu no Vaticano. O áudio foi, depois, disponibilizado pela Rádio do Vaticano e o seu conteúdo traduzido e veiculado pelos meios de comunicação internacionais.

Bento XVI foi Papa entre 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013, data em que abdicou oficialmente. Não foi, porém, o primeiro a fazê-lo na história da Igreja Católica. Antes da sua, a última renúncia tinha acontecido em 1415, no contexto do Grande Cisma do Ocidente, quando o Papa Gregório XII anunciou a saída para encerrar uma disputa com um candidato rival à Santa Sé. O primeiro a abdicar, neste caso obrigado, foi Ponciano, que ficou no cargo de 230 a 235.

Natural de Marktl am Inn, na Baviera, filho de um comissário de polícia adversário do regime nacional-socialista e de uma cozinheira, Ratzinger era o mais novo de três irmãos. Os outros eram Maria e George. Este último teria como destino o seminário. Tal como ele. O futuro Papa cresceu no contexto da ascensão do regime nazi na Alemanha. Alguns artigos, no passado, davam-no como tendo pertencido à Juventude Hitleriana, algo que o vaticano negou oficialmente. E que o seu irmão, no livro Meu Irmão, o Papa, de 2012, também desmistificou: “”Não, não o faço”, respondeu Ratzinger ao professor de Matemática que, quando ele tinha 11 anos, o que queria obrigar a aderir àquela organização.

Apesar disso, Ratzinger não escapou ao regime e em 1943, já na II Guerra Mundial, foi mobilizado para o serviço militar. Foi enviado para as baterias antiaéreas e, depois, para os serviços telefónicos. Em 1945 diz ter desertado e, com a rendição alemã e a vitória dos aliados, foi encontrado no campo de prisioneiros de Bad Aibling e libertado a 19 de junho desse ano. Tinha 18 anos.

Seis anos depois, ele e o irmão eram ordenados padres. No mesmo dia: 29 de junho de 1951. Intelectual que se viria a afirmar, Ratzinger lecionou em Bona, Munique, Tubinga, Ratisbona, tendo sido convidado pelo cardeal Joseph Frings a ajudar a preparar o Concílio do Vaticano II. Este decorreu entre 1962 e 1965 e pretendia pôr a Igreja em sintonia com o mundo atual. Foi nomeado Arcebispo de Munique e Frisinga em março de 1977 e elevado a cardeal em junho de 1977.

Durante 23 anos, comandou a Congregação para a Doutrina da Fé, para a qual fora nomeado por João Paulo II, tendo sido amplamente criticado pela maneira como lidava com casos de abusos, tentando sempre tirar a culpa da Igreja. Um dos maiores defensores da ortodoxia católica, chegou a impor um voto de silêncio ao ex-frade brasileiro Leonardo Boff, um dos nomes maiores da Teologia da Libertação, em 1985, devido às suas posições políticas marxistas do mesmo.

Em abril de 2019, já retirado há muito da vida pública, Bento XVI foi notícia por ter defendido, num artigo de 18 páginas publicado na Klerusblatt, revista mensal dedicada ao clero católico na Baviera, que os casos de abuso sexual registados na Igreja Católica estão relacionados com a revolução sexual da década de 1960.

No texto, dividido em três partes, o então já Papa emérito começou por analisar o contexto histórico que levou a que houvesse uma “praga do abuso”, argumentando que, desde a década de 1960, “os padrões vigentes até então com relação à sexualidade desmoronaram completamente na sociedade”.

Ratzinger, que estava a poucos dias de completar 92 anos quando o artigo foi publicado, alegou que, entre as liberdades pelas quais a revolução em torno do ano de 1968 lutou, “estava a liberdade sexual total, uma que já não tivesse normas” e que isso está “fortemente relacionado com este colapso mental”. Argumentou que, ao mesmo tempo, “a teologia moral católica sofreu um colapso que deixou a Igreja indefesa perante essas mudanças na sociedade”.

Bento XVI afirmou ainda que a revolução sexual fez com que a pedofilia fosse vista como algo “permitido e apropriado”, assim como a pornografia, que teria passado a ser considerada aceitável por alguns. E denunciou também uma suposta cultura abertamente homossexual nalguns seminários, o que significa que houve falha na formação de padres.

Segundo ele, em vários seminários, foram estabelecidos grupos homossexuais que “agiram mais ou menos abertamente, o que mudou significativamente o clima que se vivia neles”. Ratzinger contou ainda que, no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e para o ministério laico de especialistas pastorais viviam juntos e inclusivamente os casados às vezes estavam com suas esposas e filhos.

Nos últimos anos, vieram à luz do dia escândalos de abusos sexuais na Igreja Católico em países como Irlanda, Chile, Austrália, França, Estados Unidos, Polónia e Alemanha, obrigando a Igreja a aceitar pagar indemnizações a algumas vítimas. Muitos dos casos ocorreram antes da década de 1960 e em parte deles a Igreja encobriu os abusos protegendo os acusados. Governos e sociedades foram igualmente coniventes. Na Irlanda, por exemplo, em 1999, o então primeiro-ministro, Bertie Ahern, pediu desculpa às vítimas dos abusos em nome do Estado e lançou um programa de acompanhamento e de compensações destinado às mesmas.

Várias vítimas de abuso e teólogos criticaram, na altura, aquele artigo de Ratzinger. “A ideia de que o abuso de crianças é resultado dos anos 1960, de um suposto colapso da teologia moral é uma explicação embaraçosamente errada para o abuso sistemático de crianças e seu encobrimento”, afirmou então professor de Teologia Brian Flanagan, da Universidade Marymount, na Vírginia.

Num mundo pós-atentados do 11 de setembro e de todas guerras que depois deles se travaram, Bento XVI promoveu no Vaticano, em 2008, o primeiro Fórum Católico-Muçulmano. “Vamos decidir ultrapassar todos os preconceitos passados e corrigir as imagens muitas vezes distorcidas que temos uns dos outros e que ainda hoje criam dificuldades nas nossas relações”, disse o Papa, às delegações de líderes muçulmanos, classificando o encontro como “um sinal claro de estima mútua e do desejo de escutar respeitosamente o outro”.

Do lado dos muçulmanos, Seyyed Hossein Nasr do Irão, professor de Estudos Islâmicos da Universidade George Washington, nos EUA, respondeu que, ao longo da história, “várias forças políticas”, tanto do lado dos cristãos, como do lado dos muçulmanos, criaram violência. “Certamente não podemos dizer que a violência é monopólio de uma só religião”, apontou.

Fonte: Diário de Notícias

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