Grupo RBJ de Comunicação
Grupo RBJ de Comunicação,
20 de abril de 2024
Rádios

Criador do SUS avalia quadro e estrutura para enfrentamento ao coronavírus

Política

por Guilherme Zimermann

Alceni-Guerra
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Ex-deputado federal, ex-prefeito de Pato Branco, ex-chefe da Casa Civil do Paraná, Ex-ministro da Saúde no governo de Fernando Collor, entre 1990 e 1992, o médico pediatra Alceni Guerra (DEM), tem defendido, em suas redes sociais, que as autoridades brasileiras adotem medidas ainda mais duras de prevenção ao novo coronavírus.

Em entrevista exclusiva à Rádio Club de Palmas, Guerra reconheceu os impactos econômicos que essas medidas podem causar, mas também cobrou do governo mais ação no apoio ao empresariado.

Sobre o governo, avaliou que o presidente Jair Bolsonaro precisa ser “convencido” sobre as ações efetivas de enfrentamento ao coronavírus, elogiando a atuação de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde. Cabe ressaltar, que a entrevista foi gravada na tarde do dia 14 de abril, dois dias antes da exoneração de Mandetta do cargo, por isso, Guerra se refere a ele ainda como ministro.

O senhor tem realizado diversas análises em suas redes sociais sobre o Coronavírus e os meios de prevenção. Para nós iniciarmos a conversa, o senhor poderia nos explicar o que é esse vírus e de que forma ele ataca o organismo?

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Foi uma surpresa para nós, médicos e profissionais que trabalham com saúde pública, a chegada desse vírus. Nós já enfrentamos muitas pandemias no Brasil, eu quando era ministro enfrentei a de cólera, do sarampo e da febre amarela. Ganhamos todas. Mas, esse vírus foi uma surpresa, em 100 dias ele atingiu todos os países do mundo, o que significa uma transmissibilidade muito alta.

Calcula-se que ele infecte, no mesmo dia, três pessoas. No segundo dia são nove, no terceiro, 27, em 15 dias, se não houver isolamento, pode infectar uma cidade inteira. Algo jamais visto.

A letalidade dele é baixa, quando existem cuidados médicos suficientes. Quando há leitos para internar 20% das pessoas que precisam e aqueles 5% que necessitam de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Quando temos esses recursos, a mortalidade é, relativamente, baixa. Quando não se tem esses recursos, ela é muito alta. Por isso, precisamos que a incidência da doença seja a mais lenta possível, para que o SUS (Sistema Único de Saúde) em cada município, tenha os recursos para enfrentar a doença. No Sul do Brasil, aparentemente, estamos bem nesta guerra, porque temos tido poucos casos em relação àquilo que se esperava e eu espero que continue assim.

Doutor, na data desta entrevista, o Brasil já ultrapassa 1,3 mil mortes e mais de 23 mil casos confirmados de coronavírus. O senhor, conhecendo o Sistema de Saúde brasileiro, avalia que ele tem condições de enfrentar essa doença?

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Tem. Eu digo sempre com muito orgulho que foi na minha passagem pelo Ministério da Saúde que nós organizamos o SUS. As Leis do SUS são de minha autoria e do presidente Collor. Nós projetamos o SUS para ter três vezes mais dinheiro do que tem hoje. Apesar disso, montou-se uma boa estrutura de SUS em 100% dos municípios brasileiros. Nós temos agentes de saúde e médicos da família em 99% dos municípios e temos estrutura contratada suficiente para o dia a dia.

O que nós não esperávamos era que, de repente, milhares de doentes, de uma única doença, chegassem no sistema. Por isso, que esse isolamento, como vocês tem feito em Palmas, é necessário para que o SUS possa dar conta daqueles doentes que chegam no hospital. São 20% dos doentes (por coronavírus) que precisam dessa hospitalização. Então, é preciso ficar em casa e evitar que o vírus se transmita muito rápido, como em Manaus, por exemplo, que virou um caos, porque as pessoas não observaram o isolamento.

Se a transmissão do vírus for lenta, o SUS dá conta. Se ela for rápida, nenhum sistema de saúde no mundo, vai conseguir, como a Inglaterra não tá dando conta, como a Espanha, como a Itália. Ou seja, é preciso conter, para que a estrutura montada para uma normalidade, não seja afetada por um número muito grande de casos ao mesmo tempo.

O senhor que já esteve na posição de gestor, como avalia esses embates setor público, preocupado com a saúde e com as contas públicas para manter o setor, realizando fechamento de atividades, e o setor do produtivo, que cobra ações para que a economia também não seja afetada?

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Olha, é preciso compreender os empregados, que estão perdendo o emprego, e os empresários que estão com os estabelecimentos fechados. Infelizmente, eu digo para eles, que não há outra coisa a fazer, se não evitar que exploda o número de casos de uma vez só e morra muita gente por falta de capacidade do SUS de atender.

É uma realidade dura, os governos têm de ver o que podem fazer para ajudar essas empresas a não fecharem e não demitirem, e manter o isolamento, porque senão será um caos. Vocês tem muita sorte em Palmas. Neste momento, o único prefeito do Sudoeste do Paraná que é médico é o Kosmos, prefeito de Palmas. Tenho certeza que ele está se batendo com essa situação de ter que isolar e impedir pessoas de manterem contato, mas ao mesmo tempo não prejudicar tanto as empresas. Mas acredito que ele dará conta do recado.

O senhor aponta que o SUS está preparado, mas qual seria o principal desafio do Sistema no enfrentamento dessa doença?

Ele tem leitos suficientes, tem equipamentos, tem profissionais. Ele só não pode ser colocado na frente de milhares de casos novos em poucos dias, porque nenhum país do mundo aguenta isso. O SUS está capacitado, mas precisa que a gente colabore, evitando muitos casos novos ao mesmo tempo.

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De cada 10 pacientes infectados, oito não se preocupam, pois terão alguma coisa assim como uma gripe normal. Atualmente, dois precisam de hospitalização. Temos estrutura, mas não pode deixar que muita gente chegue infectada. É uma hora difícil, que temos que optar por um caos na economia ou na saúde.

Minha opinião pessoal é que esse mês de abril vai continuar sendo terrível e no mês de maio é que vamos começar a sentir alguma melhora. Temos que ter paciência e os governos olhar para socorrer as empresas. Não há outro jeito.

Falando em socorrer empresas, como o senhor avalia as medidas apresentadas pelo governo, como auxílio-emergencial, linhas de créditos e pacotes econômicos?

Vamos dizer que foi um bom começo. Entendo que ainda estamos a menos de 20% do que precisa ser feito para salvar as empresas e a economia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece ter tomado consciência do que realmente precisa fazer.

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O Congresso Nacional foi brilhante nesse ponto. Fizeram Leis que dão condições para o atendimento às empresas, mas digo que é só o começo que se precisa. Infelizmente vamos ter que pôr a mão no bolso, o bolso que eu digo é o Tesouro Nacional, e ajudar de verdade!

Doutor, muito se discute sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de doentes confirmados para a Covid-19. Como o senhor vê essas possibilidades?

Eu usei muito os dois medicamentos quando era ministro, no Norte do país, porque a malária era uma praga que matava muita gente lá. Usávamos, inclusive, preventivamente. É claro que não existe condições de você dar esses medicamentos para 200 milhões de brasileiros ao mesmo tempo para uma situação preventiva, mas hoje, os estudos mais modernos dizem que ela deve ser dada para quem já adquiriu o vírus e nos últimos dias se antecipou.

O Ministério da Saúde antes dizia que era só para casos graves, agora os estudos mostram que qualquer pessoa infectada deve receber os medicamentos, mas com uma ressalva: eles causam arritmia cardíaca. O coração passa a bater mais rápido ou mais devagar do que precisa. Quer dizer, o medicamento deve ser dado sob acompanhamento médico.

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Nós estamos chegando num ponto, em que a classe médica e o governo estão atentos a isso e estão usando mais a cloroquina e a hidroxicloroquina, mas em um ambiente onde o paciente possa ser observado. Fora isso, são dois medicamentos promissores, quando aliados a outro antibiótico comum no Brasil, a azitromicina. A conjugação desses medicamentos pode colocar mais segurança na população.

E a discussão política em torno do medicamento, que muitas vezes se sobrepõe à posição científica sobre o uso?

Vai se acalmando, porque o próprio presidente da República, quando ganhou as eleições disse: “eu não sei nada de saúde, mas vou colocar no Ministério uma pessoa que entenda”. Colocou um bom ministro, o Mandetta. Depois, os dois ficaram discutindo, inclusive essa questão da cloroquina. O presidente querendo que fosse usada em mais pacientes e o ministro alertando que havia problemas no uso corriqueiro. Mas parece que se entenderam nessa questão.

Pegando esse gancho que o senhor fala da relação entre presidente e ministro, nós falamos da preparação do SUS no enfrentamento da doença, mas, e o governo Bolsonaro, ele está preparado para enfrentar o coronavírus?

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Temos que olhar atentamente as declarações do ministro, porque é a pessoas que mais conhece o SUS e mais sabe do preparo do sistema nesse instante no Brasil. Ele diz que, para essa curva que está acontecendo agora, tem condições de enfrentar. Se a curva subir muito, não teria condições. O presidente tem ações que o ministro diz que vai aumentar muito a curva. Eu, pessoalmente, tenho uma preocupação muito grande, porque sei que muitos casos ao mesmo tempo vai encontrar um SUS sem condições.

O senhor que já ocupou a cadeira dele, como avalia a atuação do Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde?

Gosto muito das entrevistas dele, porque ele fala uma linguagem que o povo entende. Não fica falando com arabescos médicos, com palavras que ninguém entende. Ele se comunica muito diretamente com a população. O que ele implantou no Ministério para enfrentar a pandemia, foi o que os países que tiveram sucesso fizeram, que é o isolamento. Estou preocupado porque alguns municípios do Sudoeste estão reabrindo muito rapidamente suas atividades e eu sei que a rede hospitalar da região é boa, mas não é suficiente para atender um número de casos muito grande. Então, precisamos de paciência e consciência de que alguns dias perdidos agora serão dias de ganho em relação à vida e à não morte de pacientes.

E o presidente da República, como ele tem atuado nessa crise?

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Eu sempre digo para meus colegas médicos, que temos que olhar para o presidente como médicos. Ele tem uma imunidade, e é preciso ressaltar, de 58 milhões de votos. Ele tem que ser respeitado. Alguém que faz 58 milhões de votos, tem que ser muito respeitado, e tem que ser convencido de que o isolamento é uma necessidade nesse momento, que não temos nem vacina, nem remédio suficiente para enfrentar a doença. Precisa chegar na linguagem dele, no jeito dele e achar uma maneira de convencê-lo que essa pandemia, realmente, é grave, não é uma gripezinha, que pode matar muita gente e que ele pode ficar na história, como o presidente que não conseguiu fazer esse isolamento.

Falamos de política e saúde, mas muitos querem saber por onde o Alceni Guerra?

Eu tive uma satisfação muito grande no ano passado, quando países da África me chamaram para implantar lá o que fizemos no Brasil, que foi o SUS e os agentes de saúde. Fui para lá e estava trabalhando muito, mas infelizmente essa pandemia me obrigou a ficar em casa. Estou em Curitiba, esperando que tudo isso passe para voltar a ajudar os países africanos, porque eles merecem. Às vezes você encontra um país rico, como Angola, com petróleo, diamantes, mas um povo que precisa de ajuda e que precisa montar um amplo sistema de saúde. Espero que essa pandemia passe, para continuar ajudando eles, porque acho que é um trabalho que Deus vai me recompensar.

E o Coritiba, doutor? O que podemos falar sobre futebol? (Entre 2015 e 2017, Alceni Guerra foi vice-presidente do clube)

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Eu saí em 2017 do Coritiba, dizendo para a torcida, para os sócios, para os conselheiros, que nós temos que imitar o que o Athletico Paranaense fez. Eles tem hoje um dos melhores estádios do mundo, está disputando os melhores campeonatos do mundo e começou isso em 1995, quando levou uma goleada nossa, de 5 x 1, no Alto da Glória. Aí, apareceu um presidente, Mário Celso Petraglia, que fez essa revolução.

O nosso estádio tem 50 anos. Precisa ser substituído por um estádio melhor e isso tem que começar agora, porque leva quatro, cinco, seis anos para ficar pronto um estádio assim. Temos que formar uma centro de treinamento como o Athletico fez. Enfim, os bons exemplos precisam ser imitados. Quais são os bons exemplos no Brasil? O Grêmio, o Internacional, o Corinthians, o Palmeiras, clubes que fizeram uma revolução, do mesmo jeito que o Athletico Paranaense fez. Então, o Coritiba tem que ter a humildade de imitar o que fez o Athletico, é isso.

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